João Batista Ericeira é advogado, professor universitário, diretor da EFG-MA (Publicado no jornal “O Imparcial” de São Luís em 12 de novembro de 2008)
Desejo me ater particularmente a atividade programada para o dia do encerramento da Conferência sábado que vem dia 15, data da Proclamação República, no Pavilhão Morton Mariz de Faria. Lá se reunirá Comissão do Ministério da Justiça para proclamar a anistia do Presidente da República, doutor João Belchior Marques Goulart, conhecido como Jango, deposto pelo golpe de Estado de 31 de março de 1964, desferido contra as instituições republicanas. A escolha do forum da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB para o anúncio post-mortem da anistia é representativa da relevância da nossa instituição, fundamental para a materialização do projeto de construção do Estado Democrático de Direito. O processo foi interrompido pela deposição do último presidente da República eleito na conformidade da Constituição Federal de 1946, também golpeada pelo Direito da força que se antepôs a força do Direito, alicerçada na vontade soberana dos cidadãos. Um grupo de militares e civis derrubou manu militari o supremo mandatário do país, utilizando-se dos jargões da subversão e da corrupção; o primeiro tomou por base a ameaça do comunismo soviético; o segundo, os desvios de recursos existentes na administração pública.
Jango, rico estancieiro do Rio Grande do Sul, dono de um dos maiores rebanhos do estado, não poderia por hipótese alguma desejar a implantação do regime comunista. Não havia de outro lado, qualquer comprovação de enriquecimento ilícito de sua parte, mesmo porque não precisava aproveitar-se do erário público. As duas acusações eram falsas. Não satisfeitos os adversários lhe rotulavam de incompetente e complacente com os subversivos, inimigos do regime democrático. Para tanto se arvoravam de defensores da Constituição. O mundo estava dividido em dois blocos, o capitalista liderado pelos Estados Unidos; o socialista pela União Soviética. Era o tempo da Guerra Fria, disputa militar e ideologia em que se engalfinhavam as duas superpotências. Jango, fiel discípulo de Getulio Vargas, que o arrebatou dos negócios levando o para a política. Tal como o mestre, que durante a Segunda Grande Guerra, tirou vantagens para o Brasil do conflito entre aliados e nazi-fascistas, montando as bases da industrialização, ele como nacionalista, pretendeu auferir resultados favoráveis do embate entre capitalistas e comunistas. Empossado em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, teve que enfrentar o veto dos ministros militares que o rejeitavam desde o episódio de 1954, como ministro do Trabalho de Vargas, quando propôs do aumento de 100% no salário mínimo e foi alvo de manifesto dos coronéis pedindo o seu afastamento da pasta. Prosseguiu a política externa independente de Jânio, usou-a como massa de manobra, restabeleceu relações com a União Soviética, mas visitou os Estados Unidos e firmou protocolos com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. No plano interno lutou para recuperar os poderes perdidos para o parlamentarismo no plebiscito de janeiro de 1963. Recordo do samba de Miguel Gustavo, interpretado por Jorge Veiga aplicado a campanha do plebiscito: “Na hora de votar o meu Nordeste vai jangar, é Jango é Jango, nosso Jango Goulart...” Para depois, enfrentar a inflação herdada dos governos anteriores, e aprovar em um Congresso conservador, onde PSD e UDN constituíam a maioria, as reformas de base, como condição ao desenvolvimento conjugado a justiça social. Liberados os papéis da CIA, órgão de inteligência do governo norteamericano, comprovou-se a existência de operação inicialmente financeira, com a distribuição de dinheiro para os governadores da oposição, empresários, meios de comunicação, tudo para desestabilizar João Goulart, tal como nove anos depois se fez com Salvador Allende no Chile. O passo seguinte foram as manobras militares executadas pelo porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos para apoiar um possível governo de secessão sediado em Minas Gerais. O IBAD e o IPES estabeleciam ligações diretas com o embaixador Lincoln Gordon. Respeitados analistas afirmam que ali, em termos de História recente, principiou o processo de corrupção do Parlamento brasileiro. Há historiadores como o professor Marco Antonio Villa, da Universidade de São Carlos, que injustiçam Jango, repetem a cantilena do seu despreparo, no mesmo tom do IBAD e do IPES. Mas há outros como Moniz Bandeira que comprovam documentalmente, os seus erros foram a posição nacionalista de defender as reservas minerais do país, de regulamentar a remessa de lucros das empresas estrangeiras. Como dizia Darcy Ribeiro, ele foi derrubado por suas qualidades, e não pelos defeitos. Por fim, qualquer que seja a perspectiva adotada em relação ao ator político, o certo é que História o absolverá dos possíveis erros. Patriota, democrata, afeito ao diálogo, foi vitima de trama internacional que talvez o tenha matado, em outra Operação, a Condor, deflagrada para eliminar os inimigos das ditaduras no Cone Sul. Com esta homenagem, a consciência jurídica nacional diz não às ditaduras e ao Estado policial na pessoa de nosso Jango Goulart.
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